sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

Saramago, mago de tantos textos, corridos, ligeiros, astutos como ele só. Uma linguagem única, de um quase mago, ele mesmo, Saramago. Homem de tantas faces, fases, fazeres, mas sempre ele mesmo, apaixonante, apaixonado, pelas letras, pelas palavras juntadas e montadas. Ler Saramago foi um dos maiores mistérios aos quais já me lancei. Ele é todo, inteiro, dono de uma descoberta literária que lhe era própria e somente sua. Crítico, mas sábio em todas elas, conhecedor dos tempos e dos ventos, do que leva e trás, do que nos leva e do que nos trás, do que se leva e do que se trás. A Saramago cito Fernando Pessoa:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Saramago foi GRANDE. Como poucos, que se conhece por si. Saramago foi INTEIRO, o li em todo ele. Saramago foi TODO, em todos eles e elas de seus personagens. Saramago foi LUA, o feminino dos astros, e brilhará sempre.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nós, Golpistas dos Anos

O Golpista do Ano é um grande simbolismo de tudo que somos capazes de sabotar e de "golpear" contra nós mesmos. O que armamos, e construímos fundamentados em expectativas que não são nossas. Quero falar disso.
A peça Alma Imoral é mortal ao trazer-nos um fato não equivocado. Numa frase a personagem golpeia-nos frontalmente e sem exageros, bem capaz de nos nocautear, dizendo "que a nossa vida não seja uma oferenda para o nada". Quando ouvi isso, dei-me de sobressalto. Como alguém ousa fazer-me ver a grande imbecilidade da qual também faço parte, de um mundo movido e motivado a satisfazer expectativas que não são minhas, ou noutras palavras, bem menos morais, oferecer "oferendas para o nada", menos morais ainda, oferecer "oferendas prá porra nenhuma".
Costumo dizer uma frase, que algum dia também me golpeou. Do filme Lamarca, quando o Sargento Lamarca, então na clandestinidade, escreve aos filhos que estão exilados em Cuba, dizendo "não chame ninguém de senhor, porque ninguém é senhor de ninguém. Respeite a todos, e exija de todos o mesmo respeito", adotei de pronto isto, que é mais que uma frase, é um conceito.
"Oferendas para o nada" e "ninguém é senhor de ninguém", que há de tão pactual nisso? Num pacto pessoal, descobri nisso o convencimento de que isso é libertador. Dar-se conta de que o melhor de mim, precisa ser melhor prá mim primeiro. Que se o melhor de mim, não for melhor prá mim, primeiro, não o será para mais ninguém.
O preço disso não é barato. Rompe com o melhor que os outros acreditam que seja o melhor prá mim, o melhor de mim. Romper expectativas é romper com essa injusta "oferenda ao nada", é romper com uma servidão que me torna menos serva, porque o faço cindida, fragmentada, ofuscada pelo que me torna ainda menos "melhor" do que me caberia ser.
Por isso não é fácil, e também por isso é que é imprescindível fazê-lo. O pacto estabelece um tratado de verdade, de juramento, de convicção e vida. Estabelecer-se nisso implica em comprometer-se em oferecer o melhor de nós não aos outros, mas a nós primeiro. E a quem couber e reconhecer nisso relevância, compreenderá nossas escolhas, e obterá também o nosso melhor.
Como cantaria alguém: "somos (ou sentimo-nos) suspeitos de um crime perfeito, mas crimes perfeitos não deixam suspeitos". O Golpista do Ano está longe de ser uma comédia, é quase trágico. Mas serve prá pensar em tudo isso... no simbólico golpe contra si, o crime perfeito que é sempre (re)velado. Prá quem vale?, prá quem vela?... não vale. O melhor de nós para nós mesmas.



domingo, 6 de junho de 2010

Coisas Que Deixamos Pelo Caminho

Semana passada li o seguinte:

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está
no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta
que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a
felicidade."
Carlos Drummond de Andrade

E ontem vi este filme que me convenceu ainda mais da relevância desta reflexão de Drummond.

As perguntas são diversas: o que deixamos pelo caminho, o que recolhemos do caminho, o que não recolhemos no caminho e o que não deixamos pelo caminho.
Que caminho é esse, quem é o caminho.
Quem são no caminho, onde estão no caminho.
Porque vou no caminho, prá que vou neste caminho.
Com quem neste caminho, prá quem neste caminho.

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está...

No amor que não damos...
No amor que não damos no caminho.
No amor que não deixamos no caminho.
No amor que não levamos do caminho.

Nas forças que não usamos...
Não usamos as forças no caminho.
Caminho quase sem forças.
Sem forças prefiro outro caminho.

Na prudência egoísta que nada arrisca...
Nada arrisca no caminho.
Sem riscos caminho prudente.
E prudente, arrisco todo o caminho.

Esquivar-se do sofrimento que pode implicar em felicidade...
O sofrimento que leva a felicidade.
A felicidade no caminho que me esquivo.
Me esquivo da dor do caminho.

Como cantaria Djavan... como querer Drummondear o que há de bom...

O que há de bom???
O Caminho... viver o caminho é bom.