terça-feira, 15 de junho de 2010

Nós, Golpistas dos Anos

O Golpista do Ano é um grande simbolismo de tudo que somos capazes de sabotar e de "golpear" contra nós mesmos. O que armamos, e construímos fundamentados em expectativas que não são nossas. Quero falar disso.
A peça Alma Imoral é mortal ao trazer-nos um fato não equivocado. Numa frase a personagem golpeia-nos frontalmente e sem exageros, bem capaz de nos nocautear, dizendo "que a nossa vida não seja uma oferenda para o nada". Quando ouvi isso, dei-me de sobressalto. Como alguém ousa fazer-me ver a grande imbecilidade da qual também faço parte, de um mundo movido e motivado a satisfazer expectativas que não são minhas, ou noutras palavras, bem menos morais, oferecer "oferendas para o nada", menos morais ainda, oferecer "oferendas prá porra nenhuma".
Costumo dizer uma frase, que algum dia também me golpeou. Do filme Lamarca, quando o Sargento Lamarca, então na clandestinidade, escreve aos filhos que estão exilados em Cuba, dizendo "não chame ninguém de senhor, porque ninguém é senhor de ninguém. Respeite a todos, e exija de todos o mesmo respeito", adotei de pronto isto, que é mais que uma frase, é um conceito.
"Oferendas para o nada" e "ninguém é senhor de ninguém", que há de tão pactual nisso? Num pacto pessoal, descobri nisso o convencimento de que isso é libertador. Dar-se conta de que o melhor de mim, precisa ser melhor prá mim primeiro. Que se o melhor de mim, não for melhor prá mim, primeiro, não o será para mais ninguém.
O preço disso não é barato. Rompe com o melhor que os outros acreditam que seja o melhor prá mim, o melhor de mim. Romper expectativas é romper com essa injusta "oferenda ao nada", é romper com uma servidão que me torna menos serva, porque o faço cindida, fragmentada, ofuscada pelo que me torna ainda menos "melhor" do que me caberia ser.
Por isso não é fácil, e também por isso é que é imprescindível fazê-lo. O pacto estabelece um tratado de verdade, de juramento, de convicção e vida. Estabelecer-se nisso implica em comprometer-se em oferecer o melhor de nós não aos outros, mas a nós primeiro. E a quem couber e reconhecer nisso relevância, compreenderá nossas escolhas, e obterá também o nosso melhor.
Como cantaria alguém: "somos (ou sentimo-nos) suspeitos de um crime perfeito, mas crimes perfeitos não deixam suspeitos". O Golpista do Ano está longe de ser uma comédia, é quase trágico. Mas serve prá pensar em tudo isso... no simbólico golpe contra si, o crime perfeito que é sempre (re)velado. Prá quem vale?, prá quem vela?... não vale. O melhor de nós para nós mesmas.



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