sábado, 27 de novembro de 2010

Mundo Alas - Documentário

Uma das maneiras na vida que me fazem identificar minha sanidade, é quando me permito afetar com as emoções mais simples, chorar com experiências de quem não conheço, emocionar-me com o essencial para a vida humana, sua própria preservação e manutenção, além de despir-me de tudo que me afasta deste estado.
Nesta semana aconteceu em São Paulo e em outras 19 capitais brasileiras, a 5.ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul. Apaixonada que sou por las películas de sudamérica não me furtei ao prazer de acompanhar mais este festival.
Acabei contudo, vendo somente dois filmes, um curta brasileiro e um longa argentino, mas que atenderam plenamente minha gana de assistir bons trabalhos e refletir sobre o que me importa.
Mundo Alas é um documentário argentino que justamente me permitiu alimentar desta sanidade que falei no início, e como escrevi no post sobre o Trio Jogando Tango, a vontade era de ter ao meu lado muit@s querid@s que pudessem compartilhar deste mesmo momento e sentimento.
O filme me fez retornar a sua sinopse, e neste retorno e releitura reconheci a destreza fútil com que orquestro alguns valores. Me recordo de ter conversado com uma amiga sobre o tema do filme, e ter dito que era sobre um grande músico que reunira um grupo de pessoas com deficiências intelectuais e que tinham alguma habilidade artística. Mera projeção, eu sou de fato a deficiente intelectual com quase nenhuma habilidade artística.
O documentário emerge na história daqueles artistas, grandes artistas que nos instrumentalizam para arrancar de nós, de mim, como num descascar de cebolas, camadas de "pré-conceitos" sobre a capacidade artística de seus personagens.
Ainda sobre o relato da sinopse, o que ficou da minha primeira leitura foi a deficiência, isso marcava prá mim o enredo do filme, após ver o documentário, na segunda e nas demais leituras, o grande talento, a capacidade artística presente neste grupo chamado Mundo Alas, desnuda e de alma lavada.
O final marcado pela magnânima interpretação de Mundo Alas da canção "Sólo le pido a Dios", composta pelo músico León Gieco (que conduziu este trabalho), conhecida na voz de Mercedes Sosa.
Segue abaixo a sinopse do filme, o site do grupo e a dica prá quem for à Argentina e tiver o grande privilégio de vê-los:     


Mundo Alas é um road movie, uma viagem iniciática de um grupo de jovens artistas que mostra sua arte junto com a voz, o talento e a experiência de León Gieco durante uma turnê por diferentes províncias argentinas. Músicos, cantores, bailarinos e pintores, todos eles grandes artistas, e portadores de necessidades especiais, expressam e comunicam sua maneira de ver o mundo: aquilo que lhes preocupa, que os anima e que os inspira, em um show que combina música, dança e pintura. Nele se destacam o rock, o folclore e o tango junto a grandes sucessos de León Gieco. 


DireçãoLeón Gieco, Fernando Molnar, Sebastián Schindel
RoteiroFernanda Ribeiz, Sebastian Schindel e Fernando Molnar
FotografiaManuel Bullrich
EdiçãoErnesto Felder
Empresa ProdutoraMagoya Films
Contatomagoyafilms@gmail.com | www.mundoalas.com.ar 


sábado, 20 de novembro de 2010

Amadeus e a Mahler Chamber Orchestra

Aos gênios e aos loucos, a árdua tarefa da infelicidade suprema. A genialidade à semelhança da loucura destitui do humano o prazer da felicidade real, encobre na sua mais profunda destreza com o inócuo, o que lhe é mortal. Sagaz nos sentidos impróprios se debruça na dor que lhe faz ser, ser o ser.
Esta introdução pouco faz ao tentar exprimir meus sentidos todos sobre Wolfgang Amadeus Mozart. Há uma semana fiz minha estréia na Sala São Paulo, como espectadora é claro. Fui ver uma orquestra formada por músicos de 20 nacionalidades que interpretaram Schubert e Mozart. Apresentada pelo músico brasileiro, o pianista Álvaro Liviero, a peça musical e a introdução sobre Mozart traduziram em suas inúmeras composições, o quinhão de genialidade que lhe foi destinado.
As composições de Mozart provocam o que de mais insalubre se esconde em mim, simplesmente porque cada acorde invade, vasculha, penetra, também porque de lá saiu, de suas entranhas, dos cantos mais escuros de sua alma inquieta e torturada, de sua sensibilidade, de sua insensatez que desprezou a honra de manter a serenidade, a loucura que não importa, que se porta com a naturalidade de um sábio sádico e louco.
Desvario de uma pausa, um ponto, um sinal, um breve, um até já, na intensidade de uma insurreição contra o estabelecido ser, que destoa em seus verbetes morais do sano que não verbaliza.
Aproveitei para rever a película "Amadeus" e alguns pensamentos e sentimentos se cruzaram naturalmente. Mozart morreu aos trinta e cinco anos, havendo composto cerca de 600 obras. Saramago de quem falei noutro post, teve sua maior e principal produção literária após completar 60 anos, tendo vivido até os 87. Este dois dados seriam suficientes para uma infinidade de imersões com frações de um sentido próprio e pessoal para cada uma delas, mas me fincarei a um sentido somente.
O que mais teríamos de Mozart se a genialidade e a loucura não tivessem lhe tirado a vida? 
Findo fincada neste "se" de Mozart e na certeza real de haver lido o último livro inédito de Saramago.    

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Minhas Mães e Meu Pai

Nos últimos tempos antes de ver um filme americano penso milhares de vezes, e na maioria das vezes opto por ver outra coisa. Xenofobismos à parte, as produções americanas holywoodianas ou de pretensão menor, empunham bandeiras, modismos, valores ultrapassados, que refletem pouco o que de fato as pessoas querem ver e discutir. Ensimesmados com suas preocupações que são suas próprias (a redundância é proposital), deixamos de apreciar o que de bom a sétima arte nos tem a oferecer.
A vez anterior em que me arrisquei a ver um filme desses que, sei lá como entram no circuito comercial, vi um filme recheado de valores heteronormativos um tanto sutis, mas muito presentes. O filme nas suas "entrecenas" mostrava a família nuclear perfeita, hétero, com um casal de filhos, feliz e bem sucedida. Até que surge no caminho da esposa uma prostituta lésbica, que "seduz" a esposa indefesa e quase destrói a relação perfeita. Lá pelas tantas aparece morta, com claro indício de haver sido eliminada pela esposa, que num tom de reparação, salvou sua família. Final feliz: família hetero mantida, lésbica-puta-paranóica morta.
Os exageros, são por minha conta... é tanto que até esqueci o nome do filme.
Ontem em plenos pulmões para assistir "Quarto em Roma", a pré-estréia de um filme europeu, dei-me com a placa no guichê "ingressos esgotados". Sem tempo prá chorar e tentando garantir a diversão da noite me aventurei na sala com o título "Minhas Mães e Meu Pai". Tinha lido a sinopse noutro dia e sinceramente, se fosse argentino entraria mais confiante na sala.
O filme começa e termina com um humorzinho de sessão da tarde, mas que nas tais "entrecenas" destila porções maciças de preconceito, de heteronormatividades e de sarcasmo sobre as relações homoafetivas.
Num resumo breve brevíssimo, o tema é sobre a família de duas mulheres casadas há 20 e tantos anos que tem dois filhos, cada um gerado por uma delas, a partir da doação de esperma de um mesmo homem. O pai aparece na história quase de páraquedas, charmoso, desapegado, garanhão, decide "comer" uma das mães, que gosta é claro, e atende ao desejo carnal do então pai de seu filho. A outra mãe, desgostosa pela traição e invasão deste pai em sua família, "mija" nos quatro cantos da tela, chora, esperneia, fala grosso e marca seu território, é o "macho" do casal.
As sutilezas são muitas, os vídeos pôrnos gays que aparecem como "o vídeo de cabeceira" para excitar o casal, os brinquedos sexuais satirizados pelo amigo do filho que descobre o objeto mexendo nas gavetas das mães, a mulher lésbica que pode precisar ser "comida" por um homem prá se sentir valorizada.
O mote que poderia ser pensar uma nova configuração familiar, acaba por, de modo bastante preconceituoso, apontar uma configuração numa circunstância de descontrução, à semelhança de referencias heteros vulneráveis, que não são a regra das famílias universais.
Tratar das dificuldades que são reais nas relações familiares neste tipo de filme, é quase como querer inventar a roda, por isso, só consegui enxergar no filme suas sutilezas.
As gargalhadas vem com um tanto de indignação também. O final talvez marque este conjunto da obra pobre, o casal em vias de reatar, no carro no caminho de casa, são encorajadas pelo filho que diz a razão pela qual elas não deveriam se separar: "Porque elas são velhas demais". Não porque se amam, não porque tem uma história juntas, não porque seria bacana tê-las como família... mas, simplesmente "porque são muito velhas"... lésbicas, velhas e sozinhas, seria de fato a morte.
Achei o filme muito ruim, não recomendo. A quem queira vê-lo e me ajudar a entender diferente, fica o convite e o desafio... rsss.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

José e Pilar

Tenho prá mim agora talvez o maior dos desafios neste espaço que me propus preencher com idéias que me laçam do lugar comum, me lançando às virtudes de criar. Qual não é este intento senão falar de José e Pilar. Hoje por fim chorei Saramago. O luto tardio da perda negada, me fez sentir num tanto só, toda a dor por alguém que silenciou. Talvez isto fizesse sentido com qualquer outro, mas não com este José. O José de Pilar, que no seu jeito único de expressar, significou como ele só sentimentos não ditos, malditos talvez, benditos por certo, significou os sentidos que contrariam os pontos e vírgulas de todos mais. A coragem de dizer o que se pensa, no que se crê, no que não crê, na certeza de dizê-lo a pessoa certa, no tempo que se quer, a quem quer, a quem crê, a quem não crê. O tempo que lhe faltou, que lhe precisou e lhe tomou prá si, o tempo que levou de nós a alma gentil de um homem que amou, viveu, que deu de si às artes, e que impregnou do mais intenso significado um jeito saramaguês de escrever. Por isso, não este José, não há como silenciar este José, que no seu texto corrido expressa as passadas de alguém que não temia avançar, eliminava os obstáculos do seu próprio modo, seguindo sem medos, sem paradas, sem tempo a perder, convicto, certeiro, objetivo, o próprio. Um filme emocionante, que trata de serenidade, sinceridade, feminismo, cumplicidade e amor, de inteligência sobretudo. Do amor que não banaliza o seu real significado, que preza pela figura que não é sombra, que é Pilar, que é O Pilar, a PilarPilar Del Río, que cruza com José Saramago nas ruas de Portugal, nas ruas da própria vida. No ponto exato do beijo que não pode ser retido, do encontro enamorado que me valerá meu tempo. Das frases inúmeras e da figura apaixonante que é José Saramago fico com a cena em que mostra sua humanidade ao ver nas telas a personificação de sua obra "Ensaio sobre a cegueira". Na pele de um mortal, José chora e se emociona lembrando do que lhe ocorreu durante a criação de sua obra magna.
Alheia às críticas de José às deidades, o filme é divino, José o era.
Vejam e vejam e vejam...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"Não perco tempo com gente que desiste!"


Uma frase no filme "Em Um Mundo Melhor" me fez rever conceitos, ele disse: "Não perco tempo com gente que desiste!". Alguns comentários que tenho lido sobre as eleições presidenciais são de "gente que desiste!"... o garoto da frase é o da foto, e ele só tinha 12 anos.
O Brasil precisa crescer e saber lidar com a realidade dos fatos, seja ela qual for. O respeito ao diferente, à diversidade, aos direitos dos outros vai além das nossas "convicções de umbigo", precisamos seguir acreditando no que nos confere este status de humano, sem atropelar quem pensa e acredita diferente... o respeito adquirido jamais nos tirará a fala e a escuta.