quinta-feira, 10 de março de 2011

Incêndios

Um filme de produção canadense e francesa, falado em francês e rodado, a maior parte do tempo no Líbano, aspectos que por si só já tem garantido excelentes filmes.
Com este não é diferente. A garantia de ter visto um excelente filme é certa.
A história é contada em dois tempos, num intervalo aproximado de 20 anos. Uma mãe solteira e viúva (isso mesmo), que ao morrer deixa em seu testamento pedidos inusitados aos filhos gêmeos. Duas cartas que devem ser entregues, uma ao pai que era dado como morto, e outra a um outro filho que tinha sua existência ignorada.
Numa viagem que leva às origens natais desta mãe, os filhos farão descobertas difíceis sobre a mãe e a origem deles próprios, num desfecho final dos mais surpreendentes e fantásticos que já vi.
Os temas tratados percorrem o radicalismo religioso, guerra entre cristãos e muçulmanos, violência contra a mulher, estupro.
Este filme me fez lembrar um depoimento do filme "Que bom te ver viva" que, num monólogo brilhante de Irene Ravache, resgata a história de mulheres militantes de partidos de esquerda, vitimadas no período da ditadura militar brasileira, e que relatam as marcas deixadas pela violência sofrida.
Num desses depoimentos uma das mulheres, menciona a gravidez que lhe deu forças para superar todos os danos causados pelos anos de aprisionamento, dizia que o maior barato que a gravidez lhe proporcionou foi de perceber as diferenças entre a mulher e o homem, porque enquanto a barriga do homem só produz côcô, a barriga da mulher produz vida.
Essa foi uma sacada incrível de quem precisava dessa convicção para sobreviver, e este filme também conduz prá algo parecido. É um filme de detalhes, sutilezas, que como um jogo de montar, vai se encaixando bem devagar. O próprio título do filme, terá seu sentido desvendado na história, o fogo que consome, mas também purifica.
Recomendadíssimo.


  • País / Ano: Canadá/França / 2010
  • Duração: 130 minutos
  • Direção: Denis Villeneuve
  • Elenco: Melissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Lubna Azabal

sábado, 5 de março de 2011

Piaf - Um Hino ao Amor

A irresistível dor de existir. A dor que atravessa o físico, ignora os sentidos, atenua a pior das perdas. Vem por dentro, não escolhe lugar, invade, arrebata, arranca as certezas mais fincadas, segmenta valores. É instantânea e interminável. Seca, assombra, manipula, devasta, existe, e quer ser sentida, experimentada e amada. 
Quero cantar a vida que me persegue e a morte que me é inerente, cada vez mais próxima e mais real...


Não, Eu Não Me Arrependo de Nada


Não! Nada de nada...
Não! Eu não lamento nada...
Nem o bem que me fizeram
Nem o mal - isso tudo tanto faz! 


Não, nada de nada...
Não! Eu não lamento nada...
Está pago, varrido, esquecido
Não me importa o passado! 


Com minhas lembranças
Acendi o fogo 
Minhas mágoas, meus prazeres
Não preciso mais deles!


Varridos os amores
E todos os seus temores 
Varridos para sempre
Recomeço do zero.


Não! Nada de nada...
Não! Não lamento nada...!
Nem o bem que me fizeram
Nem o mal, isso tudo tanto faz! 
Não! Nada de nada...
Não! Não lamento nada...
Pois, minha vida, pois, minhas alegrias
Hoje, começam com você!


tradução de: Non, Je Ne Regrette Rien

Composição: Michel Vaucaire / Charles Dumont

Caramelo (DVD)

Sem dúvida, um dos mais belos filmes sobre mulheres que já assisti. De uma sensibilidade notável, foi dirigido e estrelado pela atriz libanesa, belíssima, Nadine Labaki. Uma produção francesa e libanesa de 2007. Rodado na cidade de Beirute, apresenta a história de cinco mulheres que tem suas vidas cruzadas no salão de beleza Si Belle: Layale (Nadine Labaki), amante de um homem casado e que sonha com o dia em que ele se separará; Nisrine (Yasmine Elmasri), que está prestes a se casar mas não é mais virgem e não sabe como contar isto ao noivo; Rima (Joanna Moukarzel), que sente atração por mulheres; Jamale (Gisèle Aouad), que tem medo de envelhecer; e Rose (Sihame Haddad), que abriu mão de sua vida para cuidar da irmã mais velha.
Além delas, algumas outras mulheres são sutilmente inseridas na história, desvelando este universo que não é só feminino, em suas questões mais diversas, mas também únicas, da beleza, do afeto, do casamento, da maternidade, da traição, do amor em todas as fases da vida, do sexo.
Em suas histórias que são banhadas de sensualidade, regras, religião, vida e morte, é impossível não nos encontrarmos em algumas delas, deslizam também interpretações agradáveis, numa música que embala.
Um filme gostoso de se ver, que remete a uma série de reflexões sobre as relações afetivas, familiares, sociais. Um filme que faz olhar prá si sem perder o outro. Maravilhoso.

quinta-feira, 3 de março de 2011

O Discurso do Rei

Algumas coisas me são curiosamente interessantes. Interessantes para pararmos e atentarmos para a especificidade e a unicidade destas coisas. Um dos meus maiores prazeres, e que me permite experienciar estas "coisas curiosamente interessantes", são os quebra-cabeças. Em meio ao caos de peças desmontadas e desconectadas, destaca-se como "coisa curiosamente interessante" a peça que se permite encontrar e fazer par com outra igualmente e perdida e encontrada.
Este encaixe de expectativas e perspectivas que se revela com a naturalidade do óbvio.
Bem, esta introdução prá falar do "Discurso de um Rei", o filme premiado com alguns Oscar's, e que mesmo sem a genialidade prometida pela premiação, me tocou neste aspecto, na "coisa curiosamente interessante".
Talvez porque o filme não trate do óbvio, do então esperado e reverenciado, mas trate do que se esconde e que por vezes é tão pouco importante.
As peças de um quebra-cabeça são todas igualmente importantes, a cada momento cada uma delas ocupará o seu espaço, valerá pelo simples fato de estar lá, para o seu propósito, e servirá com a precisão de algo que já existiu daquele jeito e que por isso, retornará a este estado.
"O Discurso de um Rei" me tocou justamente no aspecto que reconstitui este estado de seres igualmente importantes, nem mais nem menos, sobrepostas, encaixadas, doando e recebendo ao mesmo tempo, como deve ser nas nossas relações.
A fraqueza que não precisa ser encoberta... ao menos, não para todos, não o tempo todo.
Prá mim é curiosamente interessante perceber as conquistas pessoais, sejam elas quais forem, são igualmente conquistas. Terão a importância de uma conquista, e cada qual poderá medir para si este valor. É delicioso vibrar com a conquista que não é nossa, ou talvez e melhor dizendo, não é "somente" nossa.
Este é um filme simples, que merece um olhar simples.